Torre Mihashira

— Takeru, alvo às duas horas. Alcance de 120 metros — disse o moreno, ajoelhado sobre o bloco branco, fitando o Foreigner enraivecido pela mira do rifle.

A sala de sumulações da Torre Mihashira sempre deixava Michiyo suspreso. Era um extenso cômodo totalmente branco, onde blocos da mesma cor elevavam-se do chão para replicar perfeitamente uma cidade; além disse, conseguia projetar inimigos reais com avancada inteligência artificial usando os dados coletados através dos vários anos em que o Clã Dourado vivera. Entretanto, mesmo focado no seu próprio treinamento, a mente do Rei estava um tanto distante.

Naqueles últimos três meses, Kokujouji Michiyo não fizera absolutamente nada além de trabalhar. Certamente, não reclamava, afinal era o que queria desde o começo. Era o esperado, na verdade, e estava feliz. Feliz por ser Rei, por poder empenhar-se ao máximo pelo que almejara toda a sua vida. Havia nascido para ser o Rei Dourado e assim o faria, de corpo e alma.

Assim, não parara em momento algum. Logo que seus poderes despertaram, Michiyo tratou de reunir todos os membros do Timeless Palace no Japão, para que pudesse compartilhar novamente a sua aura. Aos membros que não eram Usagi, compartilhara uma parte menor, de forma que seus talentos aflorassem e empenhassem ainda melhor os seus papéis na sociedade; em apenas três meses, o desempenho dos vassalos em suas auras aumentara de forma assustadora, trazendo incríveis resultados quase diariamente.

Com a escolha dos novos reis, Michiyo sabia que não demoraria para que os Strains começassem a aparecer, portsnto reativou o Hospital Nanakamado, focado em tratar ferimentos causados por Strains e em educá-los. Estava certíssimo, visto que casos e mais casos surgiram em um piscar de olhos, necessitando a ação do Rei.

Continuando no caso dos Strains, Michiyo propora ao governo japonês que o Timeless Palace ficasse com a custódia de todos os Strains capturados, independente da organização que o fizesse, de forma que todos pudessem ser educados e treinados para que pudessem retornar a viver em sociedade, além de potencializar as pesquisas do clã para o isolamento dos poderes Strains, de forma que a Dresden Slate não pudesse produzi-los mais.

Em relação à Slate, talvez fora o que mais causara trabalho para o jovem Kokujouji. Era difícil e delicado e, sabendo que seis dos setes reis haviam despertado, não poderia ficar parado. Equipara a Torre Mihashira com o máximo de segurança, para que a pedra não fosse roubada uma segunda vez e tornara quase um ritual passar certo tempo com o artefato. Usando o máximo de si, isolara o alcance da Dresden Slate para a região de Kanto, mesma área de influência da época do seu avô, de forma que conseguisse manter sob controle quem receberia os poderes da pedra.

Apesar de tudo, sabia que aquilo era o certo a se fazer. Estava no caminho correto para tornar um grande Rei.

Os olhos de Michiyo, agora dourados graças ao poder se sua aura, continuavam.focando no alvo: um Strain artificial, criado especialmente para o treinamento. Este possuía dois metros e musculos humanamente impossíveis, além de ter diversos outros poderes. Naquele treinamento, estavam apenas o Kokujouji e o seu braço direito, Sakurai Takeru, quem o ajudava com o treino dos poderes de sua aura. Pela mira do rifle, podia ver o vassalo movendo-se e absorvendo raios lançados pelo inimigo com a própria habilidade.

— Vou te dar suporte, Takeru, aguente um pouco mais — pediu ao mais velho.

Prendeu a arma de fogo às costas, concentrando-se e manifestando a sua aura. Sabia que, se o fizesse, a sua Espada de Damocles aparecia nos céus do Japão, entretanto, após muito treino, aprendera a ocultá-la. Podia manipular a luz livremente, então tornar algo totalmente invisível passar a ser uma tarefa simples. A luz dourada volteou em volta do seu corpo, destacando ainda mais o Rei e o cachecol dourado que balançava com a influência do seu poder.

Concentrou a energia abaixou dos seus pés e, sendo impulsionado, deu um grande salto, atravessando vários prédios de uma vez só. Michiyo nunca sentira-se tão completo em toda a sua vida. Tinha grandes poderes e um próspero clã. Tinha tudo para fazê-lo crescer ainda mais e alcançar os seus objetivos. Era o seu sonho e jamais desistiria dele.

Ainda no ar, caindo sem rumo no meio dos prédios artificiais, a aura novamente o envolveu. Seu cachecol revolveu-se, esticando até formar extensões feitas totalmente da aura dourada, como grandes braços. Estes seguraram-se nos topos dos edifícios, pendurando o Kokujouji e o fazendo avançar no ar sem nem mesmo chegar próximo ao chão. Em instsntes, estava sobre outra construção acima de Takeru, com o rifle novamente apontado para o Strain, que mantinha a atenção no homem, disparando ainda mais raios contra este.

— Eu o distraio ao seu sinal — disse calmamente, apontando a arma para o alvo.

Enquanto olhava através da mira, Michiyo permanecia relaxado. Sabia que a qualidade principal de um sniper deveria ser a sua tranquilidade; para matar inimigos, cobrir companheiros e até mesmo matar os seus próprios caso fossem capturados. Parecia estranho um garoto de dezessete anos pensar daquela forma, mas o agradava e ajudava a manter o foco no treinamento. Michiyo enxergava inumeras possibilidades e caminhos, e estava pronto para todos. 

Assim que ouviu Takeru, o garoto passou a se mover, saltando do prédio e criando uma passarela com a sua aura, usando-a para aproximar-se mais do alvo. Apesar de ter mais poder destrutivo que o vassalo e poder derrotar o Strain mais facilmente que ele, o Kokujouji preferia fazer as coisas à sua maneira. Não era o tipo de combatente direto; preferia servir de suporte aos seus companheiros e utilizar de táticas variadas para vencer. Era o jogo do Rei Dourado. 

Quando o "Agora!" atingiu o ouvido de Michiyo pelo comunicador, o gatilho da arma foi acionado. Filetes dourados atravessaram toda a extensão do rifle e o primeiro disparo saiu como um projétil de luz, atingindo o Strain na cabeça; o homem voltou a sua atenção para ele, disparando mais um raio, dessa vez na direção de Michi. O garoto desviou para o lado e correu pela plataforma, disparando várias vezes enquanto mantinha a atenção do inimigo sobre si.

A recompensa veio quando Takeru disparou energia e perfurou o peito do Strain. O homem explodiu em vários bloquinhos brancos, fundindo-se ao chão, assim como todos os prédios feitos de blocos brancos. A plataforma de aura desceu aos poucos até Michiyo estar ao chão, próximo ao braço direito, ouvindo o que o mais velho tinha a dizer. 

— Está tudo bem. De todos os Usagi, você é o melhor — foi sincero, mantendo um pequeno sorriso no rosto. — Só precisamos continuar praticando. Infelizmente não hoje, já que teremos de supervisionar os Strains. A pesquisa na Slate ainda não produziu qualquer resultado e isso me frustra, mas não posso me deixar abater por iss-

O garoto fora interrompido pelo som caracterisco do seu celular, recebendo uma mensagem. Ainda era um pouco estranho usar aquele aparelho, já que em todos os seus anos de vida, jamais fora permitido tê-los. Entretanto, passara a desbravar a internet graças à Yuzu e Nozomi. Quem sabe uma hora se acostumaria com toda aquela tecnologia. 

Um gritinho escapou dos lábios do Rei quando notou de quem era a mensagem: Aaron. Mesmo vendo-o poucas vezes, Michiyo acabara por desenvolver um "crush" no... como deveria se referir a Aaron? Cuidador? Mãe de Nozomi? Era isso o que ele parecia. O homem era totalmente o tipo de Michiyo: alto, moreno e sabia cozinhar muito bem. Fitou Takeru envergonhado pelo momento de fraqueza e enterrou a cara no cachecol, lendo a mensagem com avidez.

A cabeça pendeu para o lado, absorvendo as informações intrigado. Nozomi estava deprimida. Era estranho, já que a visão que tinha da amiga era a de um monstro alegremente voraz devorando tudo o que vê pela frente. Michiyo agradecia mentalmente por não ser um bolinho. Os dedos finos logo passaram a digitar uma mensagem em resposta a Aaron.

E enviou a mensagem. Voltou o olhar para Takeru.

— Vamos? Tem um Strain em particular que eu gostaria de conversar — chamou o vassalo, já se dirigindo à saída da sala. 

Outra das tarefas de Michiyo nesses três meses fora conhecer a Torre Mihashira como a palma da mão. Quando era novo, antes de ir para a Alemanha, não explorara muito do edifício, acabando por achar tudo novo quando retornou ao Japão. Se quisesse tornar-se o Rei, teria que pelo menos conhecer a sua base, lar do clã dourado e dos Usagi; e com a ajuda de diversas plantas (a torre era tão grande que a planta formava uma pilha de papel) e da própria habilidade, agora conhecia cada mínimo centímetro daquele lugar. 

— E como está o Yoichi-chan? — perguntou Michiyo, ajeitando o cachecol avermelhado enquanto olhava-se no espelho do elevador. — Faz tempo que não fala dele.

Após subirem vários andares de elevador, os passos silenciosos e precisos de Michiyo guiavam-o por um longo corredor cheio de portas e janelas de vidro. Cada uma levava para uma espaçosa suíte, onde os Strains sob a custódia do Timeless Palace viviam. Mesmo que pudessem representar ameaça à sociedade, Michiyo não os tratava mal de forma alguma; estava oferecendo-os uma forma de controlar os seus poderes para que pudessem retornar às suas vidas normais.

Mas sem a parte de retornar, obviamente.

Se quisesse alcançar os seus objetivos, precisaria de cada vez mais poder, mas sabia que apenas com os Usagi não conseguiria. Tinha de reunir cada vez mais e encontrou nos Strains a solução para esse pequeno empecilho. Os cantos da boca de Michi voltaram-se para cima em um pequeno sorriso. Por enquanto, tudo estava dando certo e ninguém percebera a leve... como costumam chamar? Ah, claro, lavagem cerebral. Parecia besta, mas funcionava muito bem. 

— Parece que encontramos uma Strain muito peculiar — comentou o menino, relendo alguns prontuários que recebera ao entrar no corredor. — Uma menina daquela família Polaris. Eu não entendo como a Slate funciona, mas parece que muitos membros dessa família tornaram-se Strains com habilidades que envolviam a manipulação de buracos negros. Acredito que ela ainda não saiba controlar totalmente os poderes, mas é apenas uma questão de tempo. 

Parou em frente a uma das janelas. Um pouco mais à frente havia uma porta com uma etiqueta. "Lyrae Polaris". Michiyo observou a menina por alguns segundos, até chamar Takeru e abrir a porta.

— Vamos lá, Takeru.